A LEI 10.639/2003 NA CIDADE DE CAMPO BOM-RS NA CONCEPÇÃO DOS PROFESSORES
DE HISTÓRIA
O
presente texto é fruto de uma pesquisa vinculada ao PPG Processos e
Manifestações Culturais da Universidade FEEVALE. Estudo esse que versa sobre a
Lei 10.639/2003 e a obrigatoriedade do ensino da história e cultura
afro-brasileira e africana nos componentes curriculares de História, Educação
Artística e Literatura.
Para
tanto, buscou-se discutir a aplicação dessa Lei, por meio das percepções de
professores e professoras de História, na Rede Municipal de Educação de Campo
Bom/RS. Dessa maneira, investigar a partir das escolas da rede municipal de Campo Bom/RS, os
limites e possibilidades de efetivação da Lei 10.639/2003 nas aulas de Ensino
de História foi o objetivo geral. Especificamente, objetivou-se também entrevistar os professores do Componente Curricular
de História, locados em Escolas Municipais de Ensino Fundamental da Rede de
Campo Bom-RS: Analisar e refletir sobre as percepções dos profissionais sobre a
Lei 10.639/2003; Mapear as temáticas, os conteúdos, as fontes de pesquisa, os
instrumentais didáticos mais recorrentes nas práticas pedagógicas realizadas
por estes profissionais para uma educação das relações étnico-raciais, conforme
orienta as Leis 10.639/03; Igualmente, se buscou compreender quais são as
dificuldades enfrentadas por esses docentes no ambiente escolar e em sala de
aula para a efetivação dos conteúdos referentes à Lei; E também, quais são as
sínteses produzidas dessa relação pedagógica (dialética) entre alunos,
percebidos por esses profissionais do Ensino de História, como forma de
aprofundar conhecimentos e ampliar entendimentos acerca das possibilidades e
limites de sua efetivação.
Metodologicamente,
trata-se de uma pesquisa com “abordagem qualitativa”, pois, trata de um estudo
concentrado em áreas mais amplas, como a cultura e educação e mais
especificamente, às Políticas Públicas Educacionais. Ou seja, ao campo das
Ciências Humanas e Sociais, visto que temos como objetivo interpretar e
compreender as diferentes situações que caracterizaram (e caracterizam) as
relações destes determinados sujeitos em tempos e contextos históricos,
educacionalmente, diversos. (CHIZZOTTI, 2006)
Para Gil
(2009, p. 28) este tipo de pesquisa “[...] têm como objetivo primordial a
descrição das características de determinada população ou fenômeno ou o
estabelecimento da relação entre variáveis”. Para isso, é necessário um
mecanismo de obtenção de elementos que nos permitam responder as indagações e
atender aos objetivos da pesquisa, assim, a “coleta de dados”, entendida
conforme Santos (2007, p. 102) da seguinte maneira:
“Coletar
dados é juntar informações necessárias ao desenvolvimento dos raciocínios
previstos nos objetivos. [...] a coleta de dados consistirá em pôr em andamento
os procedimentos planejados para os objetivos, obedecendo ao cronograma
estabelecido pelo pesquisador [...]”
O tipo de
coleta de dados que nos permitiu fazer as análises e as reflexões iniciais, foi
a “entrevista reflexiva” (SZYMANSKI, 2004), pois “o caráter de interação social
da entrevista, passa a ser submetida ao contexto e condição face a face
entrevistador/entrevistado, visto que, ambos são sujeitos interativos,
motivados e intencionais” (IDEM, pp. 10-11), caracterizando-a como um processo
reflexivo. Este tipo de interlocução é tida como uma “entrevista semidirigida”,
pois “não há roteiro fechado”.
Assim,
algumas etapas foram percorridas de forma sistematizada, iniciando com contato
inicial com os interlocutores, estabelecendo e firmando para a condução da
entrevista. Nas entrevistas iniciou-se com uma apresentação da questão geradora
e das expressões de compreensão do pesquisador; a partir daí, iniciamos as
questões de esclarecimento, as focalizadoras e, finalmente, as de
aprofundamento. Realizou-se sete entrevista nessa primeira etapa da pesquisa.
(SZYMANSKI, 2004, p. 19).
No que
tange a percepção sobre a Lei 10.639/2003, os professores e professoras
demonstraram compreende-la enquanto uma produção cultural e circunstancial
resultante de um “complexo mosaico” de forças e tensões sociais, iniciados
antes da década de 1950, sendo as décadas de 1980 e 1990 sua maior expressão da
luta em prol de uma educação étnico-racial.
Também
revelaram haver, “lacunas Formativas”, isto é, durante a formação inicial e
continuada desses docentes, alegaram ser a temática étnico-racial e a Lei pouco
desenvolvida e discutida atribuindo a essa situação também as dificuldades
enfrentadas para efetiva-la em sala de aula de forma didática. Igualmente,
alegaram apresentar um caráter eurocêntrico o atual currículo escolar e as
Diretrizes e Planos Curriculares do Ensino de História.
Outra
dificuldade percebida nas entrevistas, à luz das categorias analíticas supracitadas,
percebeu-se ainda haver limites na relação “Ensino de História e a Lei
10.639/03” condicionada aos Processos Técnicos do Trabalho Didático/Profissão
Professor realizada por esses profissionais.
Didaticamente,
nessa primeira etapa realizada, os professores indicaram mencionaram ser a
“escravidão” o tema mais abordado. As fontes de pesquisa mais recorrente foi “a
internet e imagéticas” devido a sua facilidade de acesso. Pedagogicamente,
realizam “projetos; seminários/debates” para abordar a Lei. No que se refere
aos Materiais Didáticos alegaram ser escasso e com pouca variedade. No que
tange aos Documentos Oficiais todos conheciam o “PCN de História”, entretanto,
desconheciam o PCN de Pluralidade Cultural bem como os Documentos Oficiais de
Orientação para uma Educação Étnico-racial. Por fim, consideram ser a maior
dificuldade de efetivação da lei em sala de aula, o preconceito incrustado.
Os
resultados parciais até o momento identificados se assentam em suportes
teórico-metodológicos organizados em torno dos seguintes aspectos: Lei n.º 10.639/2003; Ensino História e
Educação Étnico-Racial. Assim, a temática contempla áreas
distintas, porém correlatas, dando um caráter interdisciplinar para esse
estudo.
A Análise
do material coletado nas entrevistas e do perfil docente dos entrevistados, a
partir da premissa conceitual chamada de “Triângulo Pedagógico” (NÓVOA, 1999),
a qual estabelece haver, um “Triângulo do Conhecimento” que estabelece haver na
realização da profissão professor, três vértices: os saberes da experiência, oriundos das práticas pedagógicas
realizadas pelos profissionais na escola; os
saberes da Pedagogia, resultado das produções de Especialistas em
Pedagogia, que por vezes acabam por se refletir na forma de Leis e, fechando o triângulo; os saberes das disciplinas que é a
produção científica, conceitual e teórica dos Especialistas nas diversas áreas
da Educação, em especial os Historiadores. Com esse esquema conceitual,
analisou-se as percepções dos professores sobre a Lei 10.639/03. Outro aspecto
que compõe esse esquema conceitual é chamado de “Triângulo Político” (NÓVOA,
1999), no qual se busca compreender as relações que determinam e condicionam os modos de organização do sistema
educativo, a saber, as relações entre professores, o Estado e os pais/comunidade voltadas para uma
educação das relações étnico-raciais. Relação essa, analiticamente, perquirida
à luz Organização do Trabalho Didático.
Para tal, Alves (2005, p.
10-11, grifos do original) esclarece:
“No plano mais genérico e abstrato, qualquer forma histórica de organização do trabalho didático
envolve, sistematicamente, três aspectos: a) Ela é, sempre, uma relação
educativa que coloca, frente a frente, uma forma histórica de educador, de um lado, e uma forma histórica de educando(s), de outro; b) Realiza-se com a mediação de recursos didáticos, envolvendo os procedimentos
técnico-pedagógicos do educador, as tecnologias educacionais pertinentes e os
conteúdos programados para servir ao processo de transmissão do conhecimento, c) E implica um espaço físico com características
peculiares, onde ocorre”.
Assim,
entende-se que a referida Lei, sendo uma produção cultural e circunstancial, é
resultante de um “complexo mosaico” de forças e tensões sociais. Nesta ótica,
mais do que apreender os embates que colocaram, social e historicamente, de um
lado os grupos minoritários reivindicando justiça, reparo e igualdade de
oportunidades e do outro, as forças elitizadas, dominantes, resistentes em
abrir mão de seus privilégios, historicamente consolidados, acredita-se ser
crucial entender como foi e é, atualmente, a “recepção” dessa Legislação tanto
em plano social, como principalmente na escola.
Constatou-se,
haver disparidade, fragmentação e ações isoladas sem o devido reconhecimento
com relação ao esforço pessoal docente no processo de elaborar, produzir,
sistematizar, compartilhar e circular, no ambiente escolar, materiais teóricos
e didáticos que visem contemplar a Lei 10.639/03, as Documentações e as
Orientações Oficiais.
Tal
constatação não é abstrata, ela se pauta no fato de ser a “História do Brasil”
o resultado da “História Africana, Afro-brasileira e Indígena”. Assim, ao se
estabelecer um currículo, um conteúdo programático escolar, uma disciplina de
formação docente, estas, com vistas a atender a referida Lei, têm um entendimento da “pluralidade da
História e da Cultura” brasileira de modo a fazer
parte do conteúdo escolar? (GUIMARÃES,
1995; 2012; PEREIRA, 2010)
No plano
educacional, especificamente, autores como Vera Candau (2012a; 2012b) e Tomaz
Tadeu Silva (2009), partem do fato de que “um currículo sempre irá selecionar determinados
conteúdos em detrimento de outros, visto ser um de seus objetivos formar um
tipo específico de identidade”. Ao que parece, o atual currículo escolar nacional,
prima por um currículo branco, elitizante, homogeneizador como estratégia de
formação de “identidades brancas”.
Há também
um sintoma anacrônico que diz respeito à própria estrutura, organização e
funcionamento tanto da escola quanto da profissão professor, como os seus
saberes, suas competências, sua formação e identidade. (NÓVOA, 1999a; 1999b;
LIBÂNEO, OLIVEIRA, TOSCHI, 2007; TARDIF, 2002)
Por fim, com esse estudo entende-se que o assunto está em aberto e
merece reflexões e diálogos. O que nos incentiva a continuar perquirindo essa temática
objetivando contribuir no processo de mudança qualitativa do cenário
educacional brasileiro e em especial, da educação campo-bonense no que se
refere às políticas públicas para uma educação étnico-racial.
REFERÊNCIAS
Jander Fernandes Martins – Especialista em TIC-EDU
-FURG, Pedagogo -UFSM, Mestre em Processos e Manifestações Culturais –FEEVALE
(defesa será realizada em 22/02/2018)
Vitória Duarte Wingert – Mestranda do PPG Processos
e Manifestações Culturais (FEEVALE), Historiadora formada na FEEVALE,
Especialista em Literatura Infanto-Juvenil (FISIG), Especializanda em Mídias na
Educação (IFSUL) e em Ensino de Filosofia para Ensino Médio (UFSM).
ALVES, Gilberto Luiz. O Trabalho Didático na escola moderna: formas históricas. Campinas, SP: Autores Associados, 2005.
ANSELMO, Eliane Regina
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Brasília: MEC/SEF, 1997a. Vol. 10, 164p.
____________________________: Ensino
de História e Geografia/ Secretaria de Educação Fundamental – Brasília:
MEC/SEF, 1997b. Vol. 5.
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Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes
e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de
Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá
outras providências. Diário Oficial [da]
República Federativa do Brasil. Brasília,
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Prezados!
ResponderExcluirImportante reflexão trazida acerca da Lei 10.639 no âmbito de sua prática/implementação.
Uma das questões apontadas no texto que mais me chamou atenção foi o fato dos professores terem citado a "escravidão" como tema mais abordado. De que modo vocês acham que isso pode demonstrar um entendimento deficitário da Lei?
Obrigada pela atenção!
Um forte abraço,
Cláudia Masiero