O NEGRO NA PUBLICIDADE: ECOS DE UMA HISTÓRIA ORDINÁRIA
Refletir acerca do que é História e, ainda, pensar este
campo do saber de uma maneira diferente, com vistas à observação dos discursos
que circulam socialmente, nos dará condições de conjecturar e compreender que
relações de força estão envolvidas nos jogos de poder que autorizam os saberes
e constituem o sujeito.
A História, até então a nós apresentada, objetivava
compreender o passado, recontando-o ordenadamente, em uma sequência temporal ou
dialética, para apreensão dos fatos presentes e a possível visualização de
prováveis fatos futuros. Para tanto, os documentos oficiais tornaram-se
monumentos sobre os quais a verdade estava estabelecida por trilhas organizadas
e ininterruptas.
Na trilha de uma nova forma de ver a história, os documentos
oficiais deixam de ser monumentos estáveis e inquestionáveis e o foco
desloca-se para as narrativas ordinárias e, a partir desta nova postura,
fundamentada nas descontinuidades ora apreendidas, tudo passa a ser História. O
cotidiano e as minorias, as modas e práticas outrora silenciadas, agora é
possível sim problematizá-los, recortá-los e explicá-los à luz de sua própria
descontinuidade: a Nova História.
Segundo Barros (2011, p.38), ao transitarmos entre as noções
de práticas e representações, seremos capazes de:
“(...) examinar tanto os objetos culturais produzidos, os
sujeitos produtores e receptores de cultura, como também os processos que
envolvem a produção e a difusão cultural, os sistemas que dão suporte a estes
processos e sujeitos, e, por fim, as normas a que se conformam as sociedades
através da consolidação de seus costumes”.
Para Burke (1992), enquanto a história tradicional é
essencialmente política, marginalizando outras vertentes do saber, consideradas
periféricas aos interesses dos verdadeiros historiadores, essa nova forma de
fazer história não está restrita a um único campo, mas espraia-se, considerando
que toda atividade humana tem uma história. Nessa seara, nasceu, na primeira
metade do século XX, a História das ideias, que passa a considerar outros
tópicos relevantes e dotados de história própria, como a infância, a morte, o
corpo e, até mesmo, o próprio silêncio.
Outra característica cultivada pela história tradicional,
repousa nas bases do que é central, importante e oficial. Na contramão desta
proposição, a nova história é marcada pelo relativismo cultural. O periférico
passa a povoar o interesse dos estudiosos da área.
Para o autor, a História tradicional constrói seu itinerário
ao considerar as narrativas de acontecimentos oficiais. Por outro lado, a
História Nova pontua mudanças nas estruturas ao longo do tempo. Em síntese,
esta História, vista de baixo, abre espaço para opiniões ordinárias, pessoas comuns
e para a queda de paradigmas tradicionais, fundamentados em documentos
oficiais. A Nova História das ideias, ao contrário, diversifica suas fontes,
relativiza os olhares, até então presos a um olhar oficial, examinando,
portanto, amplas variedades de evidências, substituindo a objetividade pelo
relativismo cultural, dando a este saber um tom mais próximo ao real.
Chamada para ser interdisciplinar, a Nova História aponta
para a preocupação com toda a atividade humana. Nessa direção, Burke (1992)
discorre:
“O movimento da história-vista-de-baixo também reflete uma
nova determinação para considerar mais seriamente as opiniões das pessoas
comuns sobre seu próprio passado do que costumava fazer os historiadores
profissionais”. (BURKE, 1992, p. 16).
Partimos dessas premissas e conseguimos ouvir ecos da
história do negro no Brasil, vista de um lugar comum demais, de onde sons
abafados ainda tentam nutrir a ilusão de um país democrático racialmente.
Pontuamos que a história real sobre o negro e os seus
efeitos está nas pessoas ordinárias que foram ensinadas a alisar os cabelos
para serem melhores, mais brancas e aceitas socialmente. Esse pensamento é
materializado em suportes diversos e fazem remissão a um passado que ainda
mantém a esperança de uma nação livre do mal que o negro representa.
Junto a esta ideia, é comum a oferta de produtos de beleza sob a
perspectiva de “melhorar” a aparência do negro, levando-o mais próximo ao
perfil do estereótipo dominante. Vejamos a peça publicitária a seguir:
Figura 1
A nova história do negro deixa o olhar oficial de documentos
que engessam e condicionam os efeitos da história, contada a partir da
centralidade e passa a observar como as materialidades, ou melhor, as
estruturas continuam a transformar, adaptar, sublimar ou condensar ideias que
continuam a povoar um arquivo discursivo sobre o negro no Brasil.
Na relação entre o histórico e a enunciação de um discurso,
a ideia de acontecimento passa a ser uma noção muito cara a AD. Segundo
Possenti (2006, p.93), essa perspectiva torna o acontecimento uma espécie de
matéria-prima dentro do viés histórico, marcado por sua natural relação com a
enunciação, não repetível dentro da história.
Nesse cenário, níveis de acontecimentos descortinados pela
análise, apontarão para conjuntos de materialidades, que alinhados dentro de
regularidades existentes, localizarão os resquícios de uma memória discursiva
que se presta ao alinhavo de descontinuidades registradas na História:
“(...) um fato se transforma em acontecimento – é retomado,
revisado, analisado, especificado, detalhado e correlacionado a outros
similares ou tornados similares. Enfim, ele se tornou o motivo pelo qual um
conjunto de textos foi em seguida produzido e veiculado.
..........................................................................................................
Dessa maneira, forma-se uma espécie de arquivo, no interior
do qual as relações intertextuais e interdiscursivas se desenham, as diversas
posições se materializam, as posições vão se repetindo ou se renovando”.
(POSSENTI, 2006, p.95)
Alinhar regularidades retomando, revisitando, reinventando e
reconstruindo o ser negro no Brasil, por meio da publicidade, evoca a
necessidade de um olhar de ruptura, agindo em momentos e espaços descontínuos e
heterogêneos.
Propositalmente, as marcas do “branqueamento” do negro ainda
vicejam no espaço publicitário, embora tenhamos a necessidade de escutar outros
ecos históricos. Campanhas publicitárias circulam, trazendo à tona a estratégia
de minoração da população negra, reforçando o ideário do embranquecimento,
essência da perspectiva de democracia racial, amplamente difundida no início do
século XX e que passou a significar o negro como um mal prestes a ser extirpado
da nossa nação.
Na opinião de Nina Rodrigues, em Os Africanos no Brasil, os pretos e mestiços são classificados com
traços que inferiorizavam o país, problema que ratificava a marca genética nada
nobre. Segundo o autor, “todo brasileiro é mestiço, se não no sangue, pelo
menos nas ideias” (RODRIGUES, 2011, p. 31). Nesse contexto, era recorrente a
espera por saídas para o estágio de sub-raça a que chegou o brasileiro. Um
progressivo processo de “branqueamento” da população poderia “resolver” o
problema em médio prazo. O estado de degeneração influenciado pelo clima e pela
mestiçagem poderia ser resolvido com a inserção do sangue novo dos europeus,
com vistas na melhoria de três características negativas do brasileiro: apatia,
desânimo e falta de iniciativa. (RODRIGUES, 2011).
Na contramão destes pensamentos, a Universidade Federal de
Juiz de Fora – MG lançou, em 2016, a campanha #nãoécoincidência, difundindo
o seguinte questionamento: “Quantos
professores negros você tem? ”
Figura 2
A campanha traz à tona reflexões e debates sobre
ações afirmativas. Nesse momento, é destacada a existência de menos de 1% de
professores negros atuando em universidades públicas, em um país que conta hoje
com 53% de negros (especificação genérica atribuída pelo IBGE – Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatísticas – e que reúne pretos e pardos)
autodeclarados.
Não é coincidência! O ontem e o hoje se
encontram por meio de distintos acontecimentos, materializados e relacionados
no alinhavo de descontinuidades constantes na memória discursiva, ratificando a
ideia de que o negro que ocupasse
altos lugares sociais, na verdade, era branco, ou “um preto de alma branca”.
Essa imposição, largamente difundida, nos idos de 1894, por Nina Rodrigues,
lançou pesquisas e classificações que passaram a configurar como arquivos,
autorizados por instituições enunciativas – a Ciência – e que alimentou,
durante séculos, o acorrentamento da imagem do negro aos porões e senzalas.
Os acontecimentos movimentam-se,
rizomaticamente, rompendo a continuidade, sem rejeitar a remissão. O lançamento
da campanha #nãoécoincidência não para de remeter-se a outros
acontecimentos, como a fala do jogador Robson, do Fluminense, em entrevista ao
jornalista Mário Filho, na década de 30, momento em que relatou sobre o poder
de embranquecimento do preto nos grandes clubes de futebol do Rio de Janeiro,
quando esticavam os cabelos, faziam operações plásticas, usavam pó de arroz e
fugiam da cor ao dizer: “Eu já fui preto e sei o que é isso” (FILHO, 2010,
p.15).
Cartograficamente, o discurso é transformado,
mantendo muito do mesmo no Outro, à medida que acontecimentos dispersos são
postos em relação, diante das regularidades que povoam os significados que dali
surgem. A perspectiva de que ascensão é sinônimo de
embranquecimento ratifica que o lugar nobre, reconhecido e respeitado, não é
para o negro, e isso não é coincidência.
Trata-se de uma formação discursiva que ainda permeia as materialidades e, por
consequência, as enunciações que ainda hoje circulam socialmente.
Para Possenti (2006, p.99), essa visão
descontínua e assíncrona, oportunizada pelas séries propostas por uma forma de
História, permite ao pesquisador vislumbrar um panorama mais diversificado e
fértil para a descoberta de novos posicionamentos e formações discursivas nas
quais os sujeitos estão inscritos.
Expostas as considerações sobre o peso que os
estudos de ordem discursiva e simbólica tiveram para a Nova História Cultural,
é relevante apontar para os efeitos do arquivo na análise do discurso, ao lado
da História, e na constituição de uma memória discursiva.
A análise do discurso emerge, segundo Maldidier
e Guilhaumou (1997, p.181), ao evidenciar “as estratégias discursivas que se
desenrolam no acontecimento. O novo se situa em outra parte, no retorno ao
arquivo”.
Na AD, o arquivo nunca é dado a priori, é
construído pelo pesquisador sob a opacidade e percebido pelo lugar que ocupa em
uma série, de ou seja, em um recorte da realidade.Quanto a esta questão
Foucault (2008) pontua:
“O historiador não interpreta mais o documento
para apreender por trás dele uma espécie de realidade social ou espiritual que
nele se esconderia: seu trabalho consiste em manipular e tratar uma série de
documentos homogêneos concernindo a um objeto particular e a uma época
determinada, e são as relações internas ou externas desse corpus de documentos que constituem o resultado do trabalho do
historiador”. (FOUCAULT, 2008, p.291)
Na História Tradicional, os acontecimentos eram
definidos por aquilo que era conhecido ou identificável, direta ou
indiretamente, sendo o trabalho do historiador buscar sua causa ou seu sentido.
A própria ideia de acontecimento era questionável, fosse por meio de dados
visíveis ou documentos:
Sob a ideia força do pensamento foucaultiano,
constatamos que o que há no subterrâneo da bruma do que é conhecido por
história, esconde práticas do presente,
momentaneamente invisíveis, mas capazes de revelar como os discursos são
autorizados a demarcar poderes e subjetividades
.
É notório que determinados acontecimentos são mais difíceis
de localizar. Verifiquemos o anúncio abaixo:
Figura 3
O anúncio apresentado compunha uma estratégia, com vistas à
reflexão e debate acerca do racismo, em uma campanha orquestrada pelo Festival
de Latinidades, em 2015.
Há de se notar, no entanto, que a estereotipação impressa no
cartaz, colocando a mulher negra em situação de servidão, pertence a um arquivo
validado e difundido por meio de diversos suportes, em múltiplos campos discursivos.Constatamos,
portanto, que apesar dos documentos que regulamentam o lugar que o negro deve
ocupar socialmente, por um olhar oficial, o efeito de sentido que emerge dos
documentos ditos ordinários, apresentam sintomas de uma imagem que ainda está
ligada à subalternidade. Este sujeito deve estar onde poderes silenciosos o
subjetiva como inferior e à margem. Estas percepções, muitas vezes invisíveis
aos contemporâneos, constituem rupturas decisivas que emergem de acontecimentos
difusos e que determinarão, terminantemente, os novos movimentos tomados por
uma História Cultural.
A mulher negra, dócil e necessitada, se dispõe, servilmente,
a ocupar o lugar de empregada doméstica, marcada por sua cor, conduzida pelos
efeitos históricos, pelas névoas que, sorrateiramente, são formadas e que
escondem que o negro ainda é escravo de um ideário que o inferioriza. Mas ao
mesmo tempo, desenrola-se um acontecimento, materializado em forma de anúncio,
que faz do seu interesse a entrada para o lugar de reflexão sobre o racismo do
qual a mulher negra é alvo. Neste ensejo, “(,,,) a história não é, portanto,
uma duração: é uma multiplicidade de tempos que se emaranham e se
envolvem uns nos outros. É preciso, portanto, substituir a velha noção de tempo
pela noção de duração múltipla”. (FOUCAULT, 2005, p.291, grifo nosso).
É fato, que aquilo que buscamos na História, que é
constituída por esses arquivos, é posto em um jogo de vela e revela,
determinado pelas práticas discursivas, difundidas socialmente. Estas práticas
produzem múltiplas identidades e o sujeito é constituído historicamente também
como produto, cristalizando ou apagando determinadas formas de habitar no mundo
social.
Nesta senda, Foucault, em Arqueologia do Saber (2015), propõe um trabalho
historiográfico não mais preocupado em revelar ou explicar o real, mas
desconstruí-lo enquanto discurso:
“(...) a história mudou sua posição acerca do documento: ela
considera sua tarefa primordial, não interpretá-lo, não determinar se diz a
verdade nem qual é seu valor expressivo, mas sim trabalhá-lo no interior e
elaborá-lo: ela o organiza, recorta, distribui, ordena e reparte em níveis,
estabelece séries, distingue o que é pertinente do que não é, identifica
elementos, define unidades, descreve relações”. (FOUCAULT, 2015, p. 7).
Na ordem da descontinuidade, os objetos históricos e as
identidades surgem como efeitos das construções discursivas, e não mais como
origem para justificar as práticas sociais. Nessa esteira teórica, o
historiador é convidado a analisar o que está, silenciosamente, ancorado para
além da espessura do discurso.
Nesse sentido, a história é feita das práticas rotineiras,
das trilhas de improviso e das muitas vozes que enunciam um mundo comum demais
para os documentos oficias ou para os monumentos tombados, mas essenciais à
composição dos fios discursivos que tecem a História Ordinária.
Para De Certeau (1982), o historiador adota um ponto de
vista que singulariza seu olhar para o passado. Sob este viés, o lugar que
ocupa e a forma como trata os dados tornam impossível a neutralidade do sujeito
que constrói e vivencia esta História.
A História transpõe as relações cronologicamente
estabelecidas a partir de documentos que primam por uma visão central e
caracterizada por sua identidade oficial. Para o historiador, este saber está
na forma sorrateira como as práticas cotidianas se instalam socialmente,
mudando as maneiras de fazer, afetando diretamente as configurações de
significar ideias.
Ao trabalhar fundado nas práticas cotidianas, o historiador
voltará sua análise a lugares secretamente habitados por essas articulações,
considerando, sobretudo, as pistas que as experiências ordinárias e comuns
farão emergir.
Assim, a historiografia se apresenta como prática, que tem
como resultados os discursos, em outras palavras, oportunamente aplicado a este
momento de reflexão, a história do negro contada a partir de uma visão central
e difundida por meio de instituições enunciativas oficiais, contou com
narrativas que o tornavam uma presença indesejável, ainda que a abolição já
fosse uma realidade sancionada por lei.
Por meio desse pensamento, a imagem do negro no Brasil é
construída pela ideia de uma torrente de instintos selvagens, incapaz de ser
responsabilizado por seus atos. Tornou-se o negro o próprio discurso do perigo,
encravado e contaminando uma matriz pura e perfeita. Nesse propósito, o negro ainda
é descrito como um compêndio de interesses, ditos inconfessáveis, oriundos da
revolta datada do período da escravidão e fruto das lutas incandescentes das
ideias abolicionistas.
Quanto a essa condição bestial do negro, Rodrigues (2011,
p.47) argumenta:
“(...) mas nenhum homem de bom senso, bem esclarecido sobre
os fatos, poderá crer em geral que o negro valha tanto quanto o branco e muito
menos seja-lhe superior. E assim é, torna-se impossível acreditar que logo que
sejam afastadas as incapacidades civis, desde que a carreira lhes seja aberta e
que não sejam oprimidos ou favorecidos cromáticos possam lutar com vantagem com
os seus irmãos melhor favorecidos de cérebro”.
Desse arquivo discursivo, raspamos os escritos enunciados
pelas instituições oficiais e percebemos os movimentos construídos sobre
práticas silenciosas e não honrosas. O corpo que se movimentava como um animal,
agora faz menção a este mesmo arquivo, ziguezagueando por entre novos sentidos,
que surgem como sintomas das mudanças estruturais que insistem em se revelar.
Os mesmos dizeres, que acampavam no ideário social minimizando a importância do
ser negro, são resgatados na atualidade para ratificar que “irmãos cromáticos” são
iguais, não pela licença do branco, mas como forma de valorização de uma
identidade até então inferiorizada. Nas trilhas desse pensamento, campanhas
emergem com vistas ao combate ao racismo e valorização do sujeito negro na
sociedade:
Figura 4 e 5
brasil.gov.br
Para Certeau (2014), a inteligibilidade da História se passa
na relação com o outro; se desloca e modifica o que é feito pelo seu “outro” –
de outras visões – do louco, do povo, do selvagem, do terceiro mundo, as quais
se articulam a um saber-dizer do que o corpo cala. Por meio do já-dito,
o corpo do negro é autorizado a ser reinventado pelas práticas que sussurram e
constituem esse ser no mundo. Para o autor, muito mais que separar o presente
do passado, a historiografia se constrói a partir de rupturas e releituras de
outros já-dito.
“Por sua vez, cada tempo ‘novo’ deu lugar a um discurso que
considera ‘morto’ aquilo que o precedeu, recebendo um ‘passado’ já marcado
pelas rupturas anteriores. Logo, o corte é o postulado da interpretação (que se
constrói a partir de um presente) e seu objeto (as divisões organizam as
representações a serem reinterpretadas)”. (CERTEAU, 1982, p. 15)
Dessa forma, as produções de um tempo são sintomas daquilo
que o produziu, ou seja, discursos resultantes de práticas discursivas. Há de
se considerar as condições de possibilidades, a fim de que esse processo de
produção saia da antiga concepção de causalidade. Não se busca a origem, mas as
rupturas que tornaram possíveis a produção dessas mudanças.
A História passa a ser uma razão que articula as práticas e
os discursos, então, como produtos dessas práticas, “autoriza a força que
exerce o poder”.
Percebemos,
dessa forma, que as mudanças na estrutura e nos discursos que enunciam o que é
ser negro no Brasil, fundamentam-se em condições de possibilidades instauradas
em um arquivo gerado a partir de acontecimentos que compõem a memória do povo
brasileiro, seja por meio dos discursos oficiais, localizados nas leis, seja
pelas narrativas ordinárias que vicejam dos adágios populares, das lutas ou dos
silêncios, que invadem como fumaça, que anuncia fogo e que tornará a invadir o
campo, ao sabor do vento.
Referências
BARROS,
José D’Assunção. A Nova História
Cultural – considerações sobre o seu universoconceitual e seus diálogos com
outros campos históricos. Cadernos de História, Belo Horizonte, v.12, n. 16, 1º
sem. 2011;
BURKE, Peter. A escrita da história: novas
perspectivas. São Paulo. Universidade Estadual Paulista, 1982;
CERTEAU, Michel de. A
Escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982;
______. A invenção do
cotidiano. Rio de Janeiro: Vozes, 2014;
FILHO, Mário. O negro
no futebol brasileiro. 5ª. Edição. Rio de Janeiro: Mauad, 2010;
FOUCAULT, Michel. A
arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2015;
______.
Arqueologia das ciências e a história
dos sistemas de pensamento. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008;
GUILHAUMOU,
J.; MALDIDIER, D. Efeitos do arquivo: análise do discurso ao lado da história.
IN: ORLANDI, Eni. Gestos de Leitura: da
história no discurso. 2ª.ed. Campinas, SP: Unicamp, 1997;
POSSENTI, Sírio. Análise Do Discurso
e Acontecimento: Breve Análise de Um
Caso. In: NAVARRO, P. (Org). Estudos do texto e do discurso: mapeando conceito e métodos. São Paulo:
Claraluz, 2006;
Boa noite Ana Lourdes,
ResponderExcluirInfelizmente, inúmeros ainda são os casos da prática de racismo presentes no cotidiano das sociedades em várias partes do mundo. Até mesmo em espaços que se apresentam como palco de confraternização, como os estádios de futebol, não é incomum casos de racismo para com alguns jogadores. As propagandas infelizmente ainda persistem na manutenção desse estereótipos. Haveria resultado efetivo se ocorresse uma regulamentação das leis acerca da publicidade eliminando tais práticas?
Maicon Roberto Poli de Aguiar
Boa noite! Agradeço a participação por meio da apreciação e questionamento sobre a pesquisa. Na perspectiva de "uma nova história", esses lugares surgem de um já-dito, ou seja, de saberes que encontram-se num grande arquivo sobre o negro - uma memória discursiva.
ExcluirEsses saberes circulam materializados em forma de enunciados, autorizados historicamente, que passam a nortear as práticas discursivas, as quais correm, muitas vezes de maneira silenciosa, mas preconceituosa.
Os dispositivos legais existem. Citamos a Lei 12.288/2010, o Estatuto da Igualdade Racial, a qual estabelece, dentre outros itens, a obrigatoriedade da participação dos negro em propagandas (art. 44 e 45). No entanto, quem obriga o apagamento da memória discursiva que coloca o negro escravo e subalterno paralelo àquele assistido pela lei?
Nesse momento, a tensão entre o Oficial e o ordinário (aquilo que circula de fato) cria um lugar de tensão que sempre dará voz ao passado de injustiça ligado ao negro. Assim, as leis funcionariam parcialmente, para coibir, punir, mas nunca no sentido de “estancar” o aparecimento desses saberes que continuarão a habitar o arquivo discursivo sobre o negro.
Ana Lourdes Queiroz da Silva
Bom artigo, que permitem-nos fazer uma viagem sobre diversas imagens que acabamos por relacionar no nosso cotidiano e que na sua maioria das vezes não percebemos e nem atrelamos a fatores de racismo, preconceitos e discriminação.
ResponderExcluirespecificamente destaco algumas imagens que nos vem a mente quando a temática trabalhada sobre publicidade, quando entramos na área de elétrica e eletrõnica, aos estudiosos dessa área sabem muito bem que o neutro (o fio negativo) é indicado pela cor PRETA (de onde surgiu essa afirmativa do fio preto ser o negativo?), quando adentramos no senso comum ouvimos muito quando diz: O tempo está PRETO, NO SENTIDO DE ESTÁ RUIM; quando entramos no misticismo observamos pessoas a falar sobre atraso, acontecimentos ruins quando na sexta feira olhar um gato PRETO; e quando ouvimos pessoas falando que "esse é um PRETO inteligente.
essas denominações supracitadas e as trabalhadas no artigo, elas por si só demonstram um sentido de racismo ou estamos nos precipitando ao afirmar que sim? que atitudes no cotidiano podemos está atento a fim de evitar tais publicações que acabam por silenciar nossa atitude de protesto?
Sou Josué Viana da Silva também contribuo com esse SIMPÓSIO.
Olá, boa noite! Agradeço a apreciação e os comentários sobre o trecho da pesquisa apresentado nesse espaço. Acerca das denominações variadas envolvendo tanto a cor preta, quanto o sujeito negro, apontamos para o entrelaçamento de saberes da ordem do filosófico, religioso e folclórico que foram cristalizados ao longo do tempo histórico e que passaram a produzir práticas discursivas que colocaram este sujeito no lugar de bestial, diabólico, exótico, caótico e relegado ao fracasso. Vez por outra, a história é eivada por acontecimentos e esses saberes tornam a surgir e subjetivam o negro nesse espaço de subalternidade.
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ResponderExcluirNo Brasil do final do século XIX e início do século XX vicejava a teoria do branqueamento, que de acordo com os estudos de Schwarcz (1993), Araújo (2008) e Guimarães (2002), alimentava o desejo e o imaginário das elites brasileiras de transformar a nação em um país civilizado do ponto de vista econômico e moral. Alcançar esse estágio civilizado, não seria possível se negros e indígenas continuassem sendo à base da matriz geradora da população (ARAÚJO, 2008).
ResponderExcluirAs elites constituídas, principalmente pelos grandes fazendeiros de café, reforçavam essa teoria do branqueamento, que aos poucos se convertia em uma ideologia. Essas elites acreditavam e defendiam insistentemente que, para resolver o problema do desenvolvimento do Brasil, devessem importar, por meio da imigração, os europeus para as terras brasileiras por serem considerados civilizados e brancos.
Mesmo apesar das discriminações que o negro sempre sofreu ele é tão capaz, quanto o branco de se destacar nas áreas do trabalho, do conhecimento, dentre outras.
De que forma devemos encarar as marcas do branqueamento do negro que circula principalmente no espaço publicitário?
ANDRELINE CARDOSO PAIVA
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ResponderExcluirBoa noite! Agradeço o questionamento sobre a pesquisa.
ResponderExcluirO primeiro passo seria JAMAIS camuflar nossa história. Os produtos discursivos criados a partir do racismo científico, dos ideais de democracia racial e dos resquícios em torno dos debates e estudos sobre os temas diferença/desigualdade acerca dessa população, mantêm silenciados e soterrados a identidade do negro, colocando-o sempre como um sujeito à espera de “melhoras”, sejam fenotípicas ou sociais, de outra forma, trazendo à tona “um negro de traços finos” ou “um preto de alma branca”.
Após “descobrir” o que há no subterrâneo de décadas de tentativas de apagamento do negro na sociedade brasileira, é mister empenhar-nos em profundas reflexões, em todas as esferas sociais, a fim de confrontar os produtos materializados por meio da História Oficial, do negro escravo, subalterno, inferior e à espera do embranquecimento e uma Nova História do negro, que pode irromper a partir dos debates em torno de materialidades como a publicidade, a literatura, a música etc.
Ana Lourdes Queiroz da Silva
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ResponderExcluirOi Ana, parabéns pelo seu trabalho! Quero registar que eu tenho me dedicado a estudar o negro, com especificidade para a mulher negra. Quero agradecer as referências, obrigada! E perguntar quais foram as questões pessoais que te fizeram entrar em contato com este universo de pesquisa e quais são as principais dificuldades encontradas por você?
ResponderExcluirCordialmente,
Gianne Carline Macedo Duarte Ferreira.
Olá, Gianne! Agradeço a apreciação da pesquisa e o questionamento. Tenho visto e ouvido muito sobre protagonismo negro em todos os espaços. Uma luta necessária e muito justa. Mas eu não sou negra. Apesar da explicação julgada por muitos desnecessária, eu casei com um afrodescendente, tive filhos e vejo todos os dias o que é preconceito. Talvez não seja o bastante para construir "um protagonismo", mas seja onde for o lugar social ocupado por mim, está na minha missão alçar voz contra tudo aquilo que demarque negativamente o sujeito negro socialmente.
ExcluirDefinitivamente, tudo isso está bem longe de ser marca fenotípica, é,antes de tudo, a marca da responsabilidade que carrego em mostrar que essa memória discursiva precisa ser objeto de reflexão e reações em torno de tantas materialidades que ainda circulam com o estereótipo de um negro subjugado.
Agradeço muito a participação!
Ana Lourdes Queiroz da Silva
Ana Lourdes,
ResponderExcluirQuero primeiramente parabenizá-la por seu excelente trabalho. Sua análise acerca de como os negros são vistos e representados na mídia social me trouxe muitas reflexões, como por exemplo a forma como a historiografia mais contemporânea acaba rompendo, de certo modo, com a historiografia tradicional. Ao meu ver, podemos relacionar essas transformações historiográficas a uma visão mais pós-moderna, ao visar uma análise mais culturalista e pensando nas diversidades. Nessa perspectiva, e pensando um pouco nas "Crises de identidades" defendidas por Stuart Hall em seu livro "A identidade cultural na pós modernidade", como você veria o cenário atual de aceitação da identidade negra que vem ganhando cada vez mais força dos últimos anos para cá e de que modo isso pode alicerçar as produções historiográficas daqui para frente?
Aline de Freitas Lemos Paranhos.
Olá, Aline! Agradeço a apreciação e o questionamento. Você conseguiu captar a essência da pesquisa: é na tensão entre a História Oficial e as "histórias", oriunda de acontecimentos que as identidades se dispersam e alinhavam o passado e o presente, produzindo lugares transitórios.
ExcluirEsses lugares de subjetivação surgem e desaparecem, volatilizam e endurecem, ao sabor da história.
Acredito ser essencial ao pesquisador, a sensibilidade na construção das séries e séries de séries que surgem sem aviso prévio. Essas névoas sempre revelam novos lugares, alicerçados no já-dito.
Agradeço mais uma vez!
Ana Lourdes Queiroz da Silva
Excelente texto!
ResponderExcluirAdorei o artigo, muito bem estruturado e referenciado teoricamente. A pergunta que te faço é: na sua opinião qual é a chave para solucionar o preconceito e discriminação racial no Brasil?
Boa noite! Agradeço muito!
ResponderExcluirEsses momentos de reflexão, por meio de materialidades que circulam socialmente, são excelentes instrumentos didáticos para a promoção do enfrentamento ao preconceito racial subjacente a tantos discursos.
Mas vamos simplificar? Respeito é a resposta.
Muito grata por sua participação!
Ana Lourdes Queiroz da Silva