Eduardo Gomes da Silva Filho


O ENSINO DA HISTÓRIA INDÍGENA NAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS: LEI, TABU E AUTODETERMINAÇÃO


No Brasil o ensino da temática indígena ainda é tratado como tabu, mesmo com o advento da Lei nº 11.645/08. Esta Lei foi responsável pela obrigatoriedade da inclusão da história e da cultura dos povos indígenas nos currículos da Educação Básica.

De fato, isso requer uma ampla divulgação junto aos sistemas de ensino, pois trata-se de além da efetivação da lei, uma maneira de garantir o direito dos povos tradicionais. Isto posto, volto-me agora para a questão do tabu do ensino da temática indígena nas escolas, que é um problema que deve ser enfrentado, não só por docentes e discentes, mas principalmente, pelo próprio poder público.

Todavia muitas instituições não inseriram esta temática em suas grades curriculares, abrindo uma lacuna que precisa ser preenchida com brevidade. A esse respeito Luisa Tombini Wittmann et al comenta: “É necessário, de início, que haja formação de professores na temática africana, afro-brasileira e indígena. Caso contrário, é alto o risco de não efetivação ou mesmo de abordagens enviesadas de conteúdos”. (WITTMANN et al, 2016, p. 02).

O alerta da profa. Wittmann é muito pertinente, soma-se a isso, outro fato colocado pelo professor Edson Silva (2002) que comenta: “O desconhecimento sobre a atual situação dos povos indígenas, está associado basicamente à imagem do índio que é tradicionalmente veiculada pela mídia: um índio genérico com um biótipo formado por características correspondentes aos indivíduo dos povos nativos habitantes na Região Amazônica e no Xingu, com cabelos lisos, pinturas corporais e abundantes adereços de penas, nus, moradores das florestas, de culturas exóticas etc. Ou também imortalizados pela literatura romântica produzida no século XIX, como nos livros de José de Alencar, onde são apresentados índios belos e ingênuos, ou valentes guerreiros e ameaçadores canibais […] (SILVA, 2002, p.46)”.

A esse respeito, abrem-se precedentes de análises para diversas interpretações do senso comum acerca da postura e da condição do índio brasileiro, pois esta narrativa de vitimização e ingenuidade foram descritas por muitos anos não só na literatura, mas na própria narrativa social, que tentou invisibilizar a luta, o protagonismo e a autodeterminação indígena ao longo do tempo.

As prerrogativas da Lei

De acordo com o parágrafo 1 do artigo 26-A da lei 11.645/08:

“§ 1º O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil. (BRASIL, 2008)”.

Indiscutivelmente os avanços alcançados por intermédio da outorga da Lei são indiscutíveis, no entanto, faz-se necessário um aprofundamento nos reflexos desta mesma Lei, principalmente no que diz respeito à educação. Por outro lado, importantes bandeiras foram levantas a partir do bojo das preocupações existentes deste processo, uma delas trata-se do reconhecimento do indígena como um agente essencial no processo da formação social brasileira, registra-se amiúde.

É válido salientar que antes da implementação da Lei 11.645/08, outra importante Lei abriu caminho para esta mudança de paradigma na educação brasileira, refiro-me à Lei 10.639/03, propõe novas diretrizes curriculares para o estudo da história e cultura afro-brasileira e africana.

Outrossim, isso acabou contribuindo de forma significativa para a construção da imagem do negro como sujeito histórico, principalmente a partir da ação docente em sala de aula. O currículo nas escolas públicas e particulares muitas vezes é “engessado” de modo a evidenciar na maioria das vezes a cultura eurocêntrica. Nesse sentido, as referidas Leis vieram à tona para desmistificar essa tentativa de propagação inverossímil da suposta “superioridade” europeia em detrimento das populações afro-ameríndias.

Sobre esse tema, corroboro com a visão dos professores Mauro Cezar Coelho e Wilma de Nazaré Baía Coelho que afirmam: “A introdução das temáticas previstas nas leis nº 10.639/03 e 11.645/08 constitui uma inversão do percurso usualmente trilhado pelas políticas educacionais. Ambas as leis não decorreram da constatação, por parte do Estado, de uma fragilidade no sistema ou nas condições de oferta. Os dois instrumentos legais resultam de demandas de movimentos sociais. Nos dois casos, a luta contra as formas de discriminação e preconceito foi o elemento determinante”. (COELHO; BAÍA, 2013, p. 02).

A lucidez do comentário acima denota a visão apurada dos professores, que além de evidenciarem os avanços provocados pelas Leis, também as utilizam no “chão de fábrica”.

Então por que o Tabu?

Aqui, inicialmente, peço-lhes licença para partir do ponto de vista de Michel Foucault (2002), baseado na premissa de que a reelaboração da teoria do sujeito deve ser feita a partir da constituição histórica deste e do seu conhecimento, através de um discurso tomado como um conjunto de estratégias que fazem parte das chamadas práticas sociais. Desta forma, destaco a extrema importância da quebra desse mesmo tabu, que durante muitos anos foi imposto por parte de uma sociedade plutocrática, oligárquica e avessa aos interesses dos povos tradicionais brasileiros.

Mesmo antes da implementação das Leis por ora evidenciadas neste texto, alguns célebres pensadores já haviam tentado descortinar o tem “Tabu” entre a população brasileira. Neste caso, refiro-me à análise do Antropólogo Darcy Ribeiro (1972), que dialoga com a Antropologia cultural, mas sem renunciar a uma análise crítica social acerca da questão de raça.

Por outro lado, ainda dentro do campo da Antropologia, Franz Boas (2009) faz importantes inferências a respeito da desconstrução da perspectiva de raça enquanto conceito meramente científico, ainda de acordo com o autor:
“"Acredito que o estado atual de nosso conhecimento nos autoriza a dizer que, embora os indivíduos diferem, as diferenças entre as raças são pequenas. Não há razão para acreditar que uma raça seja naturalmente mais inteligente, dotada de grande força de vontade, ou emocionalmente mais estável do que outra, e que essa diferença iria influenciar significativamente sua cultura [...]”. (BOAS, Franz, 2009, p. 82).

Ainda vislumbrando o Tabu como pano de fundo para a questão da temática do ensino da história indígena, seja nas Universidades, escolas ou até mesmo nas aldeias, recorrerei agora a visão de Todorov (1993), que se debruçou sobre aspectos relacionados ao etnocentrismo, cientificismo, racismo, entre outras questões pertinentes ao binômio raça versus diversidade humana. Isso fico claro por exemplo, quando o autor faz uma crítica velada ao estruturalismo francês, a partir da Antropologia estrutural de Lévi-Strauss (2008), quando ele se recusou a reconhecer o lugar do homem na natureza. Todorov acabou identificando em sua obra a tentativa de um projeto europeu de ciência universal, que tentou deixar de lado o protagonismo e autodeterminação indígena por séculos.

O modo de vida tradicional também acaba entrando em pauta nessa discussão, a medida em que isso vem sendo objeto de estudo de Antropólogos, Historiadores e Etnólogos nas últimas décadas de uma maneira mais recorrente. Um exemplo disso está na obra do Antropólogo Inglês Evans-Pritchard (1978), onde o autor analisa o modo de vida de um clã tribal (Os Nuer), fornecendo elementos indispensáveis para a compreensão da Antropologia Social. Paradoxalmente, esse mesmo modo de vida tradicional, quando empregado nas sob perspectiva das tribos brasileiras, notamos a importância da manutenção de costumes e tradições, isso implica evidentemente na questão do ensino consuetudinário da língua materna, cosmologia, cosmogonia e práticas culturais.

É válido salientar o papel ímpar que a Nova História Indígena tem nesse contexto, evidenciando uma nova compreensão histórica desses povos, apresentando-os como protagonistas da sua própria história. Regras existem para serem quebradas, portanto, partindo deste pressuposto, o grande mérito da questão da quebra do Tabu do ensino da temática indígena nas Universidades brasileiras, está pautado em cima da sua própria resistência e autodeterminação.

Autodeterminação: Alguns tópicos importantes
O direito à autodeterminação dos povos indígenas se sobrepõe ao Leviatã do Estado brasileiro. Esta conquista veio no dia 13 de março de 2007 a partir da Declaração da Organização das Nações Unidas – ONU. Este direito fundamental da aos índios a autonomia de decidir entre outras coisas pelo seu próprio status político, desenvolvimento econômico, cultural, educacional e da resolução de conflitos.

No que diz respeito à educação, esse direito é premissa básica e fundamental para cada grupo étnico. Também é “conditio sine qua non” para a conscientização da sociedade civil (e por que não militar?) no que tange ao combate ao racismo, discriminação e genocídio dos povos indígenas.

Além de ser muito importante para os povos tradicionais, essa declaração mostra que eles são conscientes e politizados, diferentemente do que os livros didáticos mostraram durante anos, a partir de uma ideia equivocada de subserviência, totalmente improcedente, diga-se de passagem. 

Segundo Albuquerque (2008) a autodeterminação é “um direito enquanto conjunto de regras, normas, padrões e leis reconhecidas socialmente que garantem a determinados povos, segmentos ou grupos sociais o poder de decidir seu próprio modo de ser, viver e organizar-se política, econômica, social e culturalmente, sem serem subjugados ou dominados por outros grupos, segmentos, classes sociais ou povos estranhos à sua formação específica”.

Já a “Primera Declaración de Barbados: Por la Liberación del Indígena” nos alerta sobre os percalços da chamada política indigenista, referentes à autodeterminação:

“[...] El análisis que realizamos demostró que la política indigenista de los estados nacionales latinoamericanos ha fracasado tanto por acción como por omisión. Por omisión, en razón de su incapacidad para garantizar a cada grupo indígena el amparo específico que el Estado le debe y para imponer la ley sobre los frentes de expansión nacional. Por acción, debido a la naturaleza colonialista y clasista de sus políticas indigenistas.” (PRIMERA DECLARACIÓN DE BARBADOS s/d. apud MORAES, 2014, p. 25).

Portanto, o direito à diversidade na educação dos povos indígenas deve ser levado totalmente em consideração, haja vista que existem ainda uma série de barreiras que devem ser atravessadas, como nos casos da estigmatização, preconceito, carência de escolas bilíngues, entre outros motivos. Volto a bater nessa tecla porque mesmo após mais de uma década da declaração da ONU, o cenário de precariedade em relação à educação indígena, sobretudo nas Universidades brasileiras, ainda beira o caos.

Considerações Finais

Neste texto eu não me propus a discutir o tema a partir de uma perspectiva estanque, procurei enveredar pelas nuances de suas especificidades, sem me deixar levar por possíveis determinismos que tanto combato.

Busquei algumas tentativas de suscitar inquietações nos leitores, ao ponto que o eco das minhas próprias inquietações possa reverberar aos ouvidos daqueles que se sintam tocados pela causa.

Portanto, no Triunvirato sugerido na análise do texto composto pela relação de Ensino/Lei; Tabu e Autodeterminação, procurei não me preocupar com narrativas cronológicas, combatendo o anacronismo eurocêntrico e evidenciando questões pertinentes aos povos tradicionais, sejam elas de cunho particular ou a partir de uma cosmovisão de um historiador/etnólogo, como assim me considero.


Referências
Eduardo Gomes da Silva Filho é professor da Universidade Federal de Roraima, Mestre em História Social pela Universidade Federal do Amazonas.

ALBUQUERQUE, Antônio Armando Ulian do Lago. Multiculturalismo e direito à autodeterminação dos povos indígenas. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 2008.
BOAS, Franz. Raça e progresso. In: Antropologia cultural. Trad. Celso Castro – 5. Ed. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2009.

BRASIL. Lei 11.645, de 10 de marco de 2008. Disponível em:

BRASIL. Lei 10.639/2003, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9. 394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm. Acesso em: 17/02/18, às 13h:30 min.

COELHO, Mauro Cezar; COELHO, Wilma de Nazaré Baia. A lei n. 10.639/03 e consciência histórica: ensino de História e os desafios da Diversidade. Anais do XXVII Simpósio Nacional de História, Anpuh – RN, 2013. Disponível em: http://www.snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1364074796_ARQUIVO_TEXTOANPUH-NATAL2013 MAUROCEZARCOELHOeWILMABAIACOELHO.pdf. Acesso em: 17/02/18, às 14:00h.

EVANS-PRITCHARD, E.  Os Nuer. São Paulo, Perspectiva, 1978.

FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. (tradução: Roberto Cabral de Melo Machado e Eduardo Jardim Morais). Rio de Janeiro: NAU Editora, 2002. 160p.

LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. SP, Cosac Naify, 2008.

MORAES, Todiello Marcelo. Autodeterminação dos Povos indígenas e Estado-Nação: Análise a partir do Direito Internacional e do Reordenamento Jurídico Brasileiro. Monografia de Graduação defendida no Curso de Direito da Universidade Federal de Santa Maria – RS, 2014.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração das nações unidas sobre os direitos dos povos indígenas. Nova Iorque, 2007. Disponível em: http://www.un.org/esa/socdev/unpfii/documents/DRIPS_pt.pdf. Acesso em: 17/02/18, às 16:00h.

RIBEIRO, Darcy. Teoria do Brasil. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1972.

SILVA, Edson. Povos Indígenas em Ensino de História: subsídios para a abordagem da temática indígena em sala de aula. História & Ensino, Londrina, v. 8, p. 45-62, 2002.

PRIMERA DECLARACIÓN DE BARBADOS: POR LA LIBERACIÓN DEL INDÍGENA, s/d. Disponível em: http://www.servindi.org/pdf/Dec_Barbados_1.pdf. Acesso em: 17/02/18, às 17:00h.

TODOROV. Tzvetan. Nós e os Outros. A reflexão francesa sobre a diversidade humana. Trad. Sérgio Goes de Paula. Ed. Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 1993.

WITTMANN, Luisa Tombini; SOUZA, Daniele Policarpi de; REIS, Rodrigo Ferreira dos. A temática indígena nas universidades públicas catarinenses: uma análise dos projetos pedagógicos dos cursos de História. XVI Encontro Estadual de História da Anpuh-SC, 2016. Disponível em:http://www.encontro2016.sc.anpuh.org/resources/anais/43/1464639230_ARQUIVO_Atematicaindigenanasuniversidadespublicascatarinenses.pdf. Acesso em: 17/02/18, às 11:00h. 

18 comentários:

  1. Boa noite professor. Adorei o seu texto e partilho das suas inquietações, pois enquanto descendente de Kaingang e licenciada em História, senti o silêncio acerca da História Indígena e da Etno-história na grade curricular e em discussões de eventos científicos, o que obviamente acarreta um deficit para a minha prática docente em sala de aula. Todavia, o que chama a atenção em seu texto é pensar o papel dos povos indígenas no âmbito acadêmico, não só no sentido de estarem ali, mas na sua permanência e integração, isto é, pensar nas particularidade históricas e culturais destes sujeitos em avaliações, trabalhos e discussões básicas que poderiam ser reelaboradas e adaptadas. Sinceramente, cheguei a consideração que é uma tarefa árdua, pois requer que profissionais saiam da sua zona de conforto e repensem suas práticas, dispam-se dos próprios preconceitos e busquem por modelos de ensino e textos que oportunizem a aprendizagem de indígenas - e mais do que isso, de demais discentes no que tange esta premissa. Pensando nas falas de estudantes indígenas da UEPG (citarei o exemplo pois foram falas realizadas em eventos acadêmicos), o desrespeito e preconceito contra este público parte de colegas de sala de aula, docentes e pessoas que partilham do espaço comum. É um desafio diário suportar as pressões que emergem de piadas e grosserias, o que gera não só o desconforto mas também o sentimento gritante de que não são bem vindos e de que a universidade não é espaço para eles/as. Diante disso, minha dúvida é: como estas discussões são avaliadas pelo corpo docente que atua junto com o senhor na formação de saberes e conhecimento histórico? A partir da sua realidade, como perspectiva a sociedade futura em relação ao tabu, preconceito e integração de indígenas em universidades?
    Att.
    Jessica Caroline de Oliveira

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    1. Bom dia Jessica, suas inquietações são muito pertinentes à discussão, pois existe esta necessidade de debate junto à sociedade civil e, sobretudo, aos povos tradicionais. Realmente a tarefe é árdua, porém necessária, aqui na UFRR tem um núcleo de ensino superior específico para os povos indígenas chamado Insikiran, que desenvolve ações de ensino, pesquisa e extensão. O ensino bilingue, principalmente em Macuxi se constitui como um dos principais cernes da questão. Na minha visão, as políticas públicas ainda são deficitárias em relação ao ensino dos povos tradicionais, temos uma dívida secular junto a eles, grande parte deste tabu deve-se ao fato do desconhecimento por parte da sociedade (com a negligência do próprio poder público em fomentar tais ações), da cultura e etno-conhecimento das diversas etnias que compõem nossa nação miscigenada, pois isto muitas vezes acontece só de forma endógena e consuetudinária, através de práticas cosmológicas e afins. Portanto, temos que tentar quebrar este paradigma, pois os povos tradicionais são estigmatizados e explorados há séculos, o preconceito ainda é muito maior do que se pensa infelizmente, mas temos que evidenciar o protagonismo desses povos, esse é um dos principais pilares da nova história indígena. Em relação à integração, isso deve ser fomentado principalmente no âmbito da educação, pois além de ser um direito constitucional, também evidencia a própria autodeterminação.

      Eduardo Gomes da Silva Filho.

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  2. Olá, professor. Adorei o artigo. Em sua opinião, seria adequado acadêmica e didaticamente utilizar termos convencionais e tradicionais, tais como "raça", conforme empregado por Franz Boas e outros autores, para se referir aos povos tradicionais? Por exemplo, em vez de dizer "primitivo", não seria melhor "tradicional"? Em vez de "tribo", não seria melhor "aldeia", "comunidade", "etnia"? Em vez de "raça", não seria mais coerente dizer "etnia" ou "grupo étnico"? Sei que essa é uma questão que suscita controvérsias, ainda em relação ao uso do termo "índio" no lugar de "indígena", sendo este preferido por certos autores. Ainda tenho outra pergunta: em que medida a reprodução desses termos convencionais no âmbito acadêmico e sobretudo didático/escolar pode perpetuar os preconceitos e estereótipos já existentes sobre os povos indígenas e tradicionais? Gostaria de conhecer sua opinião sobre isso, se a mudança de linguagem é um passo importante na protagonização de grupos minoritários no ensino de História.
    Obrigado.
    Até.

    Daniel Roberto Duarte Granetto.

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    1. Bom dia Daniel! Na realidade raça e etnia são coisas distintas, senão vejamos: O termo raça, refere-se aos aspectos biológicos, já etnia aos grupos étnicos, principalmente no que diz respeito à cultura e linguagem, como nos aponta Barth. Já o termo índio, nos remete à perspectiva colonial, na medida em que esta alcunha teve uma conotação ibérica. A nova História indígena quebra este paradigma de esteriótipos e descortina a realidade dos povos tradicionais. Não há na verdade "minorias éticas", o que existe de fato são grupos étnicos, que emergem seu protagonismo através da sua autodeterminação.

      Eduardo Gomes da Silva Filho

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  3. Caro Professor Eduardo Gomes,

    Satisfação na leitura de seu texto!

    A temática escolhida é urgente e de necessário debate.

    Como pesquisador da temática acerca da questão "Povos Indígenas e Ensino Superior no Amazonas" tenho presenciado, apesar dos percalços evidentes, uma importante reviravolta nos rumos da Formação de Professores Indígenas. No âmbito de suas formações, a defesa de uma educação intercultural que considere, evidencie e respeite a Diferença tem se constituído como elemento exemplar no cotidiano dos cursos de Formação de Professores Indígenas em que tenho participado.

    Infelizmente, não posso dizer o mesmo sobre os cursos de Formação Regular ofertados aos futuros professores da Educação Básica no Brasil. Um levantamento prévio sobre o lugar da temática negra e indígena nos Projetos Políticos Pedagógicos de alguns cursos ofertados por instituições federais levou a conclusão de que mesmo estes não chegaram a incluir, com a devida clareza, as temáticas Afro-descendentes e Indígenas na formação dos Professores. Salvo alguns exemplos como o Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Formação de Professores e Relações Étnico-Raciais (GERA) da Universidade Federal do Pará (UFPA), o qual tem coordenado cursos de Formação Continuada sobre a Temática Étnico-Racial na Educação Básica, os exemplos são escassos...

    Nesse sentido, levanto a seguinte questão: Nós, como professores universitários, o que podemos fazer alternativamente para provocar uma mudança no processo de Formação de Professores nos Cursos de Licenciatura de modo que estes já saiam da universidade preparados para lidar com uma temática tão cara ao reconhecimento da Diversidade e da Diferença de Povos existente no Brasil?

    Agradeço antecipadamente pela resposta!

    Forte abraço!

    Nos vemos na Anpuh/AM.

    Fernando Roque Fernandes
    Universidade Federal do Pará (UFPA)

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    1. Olá Fernando, bom dia! Satisfação em vê-lo por aqui. Na minha visão a responsabilidade não deve recair exclusivamente apenas nos ombros de nós docentes, as políticas públicas governamentais devem ser estimuladas e voltadas para esta importante questão. Infelizmente o fomento ainda é bastante precário, pois mesmo com o advento das lei 11.645/08, o que se vê na prática são professores (indígenas e não indígenas) e alunos (de diversas etnias) tentando colocar em prática a referida lei, através da evidência de processos culturais identitários, que envolvem língua, cultura e cosmologia. Aqui na UFRR tem um núcleo de Ensino Superior Indígena, o INSIKIRAN, que trabalha com esta perspectiva do ensino, pesquisa e extensão junto aos povos tradicionais. Ao longo das últimas décadas, como nós bem sabemos, muitas lideranças indígenas vem se destacando no meio acadêmico e a partir de ações afirmativas, como nos casos do Daniel Munduruku, Gersem Luciano Baniwa, Davi Copenawa, entre outros. Já no âmbito acadêmico, podemos citar o John Manuel Monteiro, João Pacheco de Oliveira, Jorge Eremites de Oliveira, Edson Hely Silva, Mauro Cezar Coelho, entre tantos outros que se debruçam atualmente sobre esta temática. Não apenas do ensino da História indígena em si, mas de uma etno-história. No nosso caso, o caminho que enxergo será continuar caminhando junto aos povos tradicionais, não apenas em um sentido puramente acadêmico, mas abraçando suas lutas, compartilhando dos seus desejos, anseios e perspectivas de dias melhores. Isto em parte, creio já estamos fazendo, contudo, faz-se necessário a continuidade do nosso engajamento à causa indígena, fraterno abraço!

      Eduardo Gomes da Silva Filho

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    2. Caro Eduardo, perfeito!

      Apenas um adendo: na minha visão, também, a responsabilidade não deve recair somente sobre nós docentes. A pergunta procurou dar conta especialmente da questão que levantas: "o tabu no ensino de História Indígena nas Universidades". Daí a questão se voltar para o que nós, como professores formadores, no âmbito dos Cursos de Formação em Licenciatura, podemos fazer para uma modificação nesse quadro.

      Me parece que um dos caminhos possíveis é, justamente, investir em quadros docentes que valorizem a temática e, mais do que isso, permitir que os conhecimentos indígenas possam ingressar nas universidades, assim como já vemos centenas de indígenas fazendo. Ou seja, não basta investir no ingresso de sujeitos indígenas. É preciso permitir que seus conhecimentos possam também ingressar nas discussões. Uma outra possibilidade é valorizar os conhecimentos que as lideranças indígenas tem, assim como os sábios indígenas, trazendo-os para nossas salas de aula, da Educação Básica ao Ensino Superior. Os povos indígenas, através de seus representantes universitários já tem iniciado esse processo. Precisamos, me parece, alavancar o processo de descolonização do pensamento que já está em curso.

      Como exemplo podemos citar o Parecer CNE/CEB nº 14/2015, aprovado em 11 de novembro de 2015 sobre as Diretrizes Operacionais para a implementação da história e das culturas dos povos indígena na Educação Básica, em decorrência da Lei nº 11.645/2008. Com base nesse parecer é possível verificar que os próprios indígenas estão tomando iniciativas na implementação da Lei n. 11.645/2008. Nesse sentido, outras das inúmeras alternativas e apostar nesse protagonismo indígena rumo à Formação Básica e Superior não indígena com base na interculturalidade.

      Para acessar este Parecer segue o link: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=27591-pareceres-da-camara-de-educacao-basica-14-2015-pdf&category_slug=novembro-2015-pdf&Itemid=30192; Acesso em: 10 abr. 2018.

      Vale a pena dar uma olhada...

      Forte abraço!

      Fernando Roque Fernandes
      Universidade Federal do Pará

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  4. Caro professor Eduardo, parabéns pelo texto, essa temática muito me interessa. Gostei muito dos apontamentos feitos e gostaria de fazer a seguinte colocação acerca dos materiais didáticos que abordam a história indígena, uma vez que, nas últimas coleções aprovadas pelo PNLD, podemos perceber muitos autores que se empenham na elaboração de livros que contemplam a temática indígena, mas não como antes, quando traziam esses povos como bons ou mal selvagens presos ao processo colonizador, mas, agora, alguns materiais traçam toda a história das comunidades indígenas, mapas atuais de onde vivem, como vivem e toda sua luta e resistência dentro de toda a História do Brasil. Você concorda com esse avanço? Como vê essa mudança?

    Vânia Cristina.

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  5. Olá Vânia, boa noite! Sim, com certeza, isso realmente é muito positivo, na medida em que podemos constatar um grande avanço, sobretudo no campo da história indígena e do indigenismo. Nesse quesito, há uma crescente produção de autores indígenas e não indígenas que atualmente estão se debruçando nesta questão. O cenário começou a mudar até mesmo nas obras do MEC, que antes representavam o índio apenas como um "elemento exótico", sem se preocupar necessariamente com as formas de resistência e autodeterminação das diversas etnias existentes no país. Nesse sentido, a Nova História Indígena acaba quebrando esse paradigma, evidenciando ressignificando elementos importantes da cultura dos povos tradicionais. Mesmo com o advento da Lei 11.645/08, as políticas públicas ainda precisam ser mais verticalizadas e potencializadas, no sentido de abrir novas perspectivas para o ensino e cultura da temática indígena nas escolas e Universidades.

    Eduardo Gomes da Silva Filho.

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  6. Bom dia. Achei ótimo essa abordagem dentro de seu texto, e concordo que o ensino da temática indígena deve ser muito mais abordado, assim como a africana, pois a contribuição desses povos para formação de nossa cultura foi de fundamental importância, sendo elas ainda pouco trabalhadas na sala de aula, ainda mais se comparadas ao dos europeus. Mas aqui reflete-se outra questão. Sabemos que no brasil houve um grande processo de imigração de diversos povos, principalmente no final do século XIX e início do XX, como os holandeses, italianos, japoneses, entre outros. Mediate isso, percebemos que também há pouquíssimos abordagens desse tema dentro das salas de aula do ensino fundamental e médio, e esses povos também exerceram sua contribuição. Mediante isso, acho que também seria necessário a abordagem da participação de imigrantes dentro dos currículos escolares. Talvez de um âmbito geral seja até um pouco complicado, mas se levarmos para o campo da micro-história, um estudo mais local, esse estudo ganha devida importância, já que existem determinados lugares que o fluxo e participação de imigrantes foram bem maiores. Com isso, e mediante os seus estudos sobre o tema, você acha que seria necessário e relevante os estudos desses imigrantes dentro do processo de formação do Brasil?

    Paulo Iris Chaves Filho

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  7. Boa tarde Paulo! Sabemos que o processo de miscigenação existente no país é amplo e realmente perpassa à causa indígena. Do ponto de vista teórico, a perspectiva da Micro-História pode ser levada em consideração quando o próprio historiador opta por ela. Já no tocante à questão dos imigrantes, eu diria que esse processo ainda está em evidencia no tempo presente, não apenas com o que retrata os livros didáticos (desde as migrações italianas e alemães principalmente, para as regiões sul e sudeste do Brasil, em decorrência dos seus respectivos processos de reunificação), pois temos como exemplo atual o caso da imigração venezuelana em Roraima, que demandou até intervenção de forças Militares e do Ministério da Defesa. Mas concordo que há sim relevância e necessidade no tema. O processo de formação do Brasil já foi até muito bem analisado anteriormente por inúmeros autores, como Caio Prado Júnior, Boris Fausto, Souto Maior, Capistrano de Abreu, Celso Furtado, Gilberto Freyre, entre outros. Para isso entrar de fato com mais força nos livros didáticos, o caminho seria a mudança dos PCNs de História ou até talvez uma Lei específica, como nos casos das Leis 10.639/03, 11.645/08 e 12.228/10.


    Eduardo Gomes da Silva Filho.

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  8. Olá Eduardo Gomes.
    Parabéns pelo seu texto, você trouxe discursões acerca dos tabus em que a educação indígena enfrenta no Brasil. Você mencionou a lei 11.645/2008, que é responsável pela obrigatoriedade do estudo da história tanto afro- brasileira como indígena no currículo escolar, concordo com você. Dentro desse contexto, de acordo com seu texto, quais as problemáticas enfrentadas e quais as possíveis soluções para resolver esses problemas?

    Att Denilce Raimunda de Castro Mourão

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    1. Olá Denilce, boa tarde! Também corroboro na íntegra com as suas inquietações. Gostaria de começar a minha fala com uma afirmativa que pode parecer óbvia, mas que no entanto é muito necessária, "o índio não é e nem causa problema algum", dito isto, volto-me agora para a análise dos efeitos colaterais desta falsa premissa, alardeadas ao quatro cantos por ruralistas, latifundiários e, principalmente, políticos (e em um passado não tão distante assim, por militares). O verdadeiro problema é a violência com que esses povos são tratados, suas terras espoliadas, seu território tradicional achacado, suas vidas vilipendiadas, e muitas vezes subtraídas, por um sistema que defende os interesses do grande capital. Nesse sentido, é mister afirmar que quem causa problema ao índio é o "homem branco", o tabu social ainda vê o indígena pelo prisma de uma suposta "indolência", tese levantada e defendida pelos interesses eurocêntricos e das elites coronelistas. A plutocracia impera na nossa sociedade, o que deveria ser feito, no que diz respeito à educação indígena principalmente, é sem dúvida alguma o investimento em políticas públicas, com ênfase no fomento à educação intercultural indígena, prática que reflete o seu próprio protagonismo e autodeterminação.

      Eduardo Gomes da Silva Filho.

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  9. Boa tarde, professor. Tendo em vista as violações de direitos humanos que ocorrem contra as comunidades ijdifeind, a problemática voltada ao rwlacionarelac interpessoal na sociedade (podendo ocorrer a partir das duas partes) existiria uma forma mais adequada à atuação docente sobre estes temas? Seria possível evitar um sentimento de revolta que poderia, em casos extremos, provocar a saída desta juventude das escolas? Ademais, as escolas que ofertam o modelo de educação indígena produzem uma espécie de "sentimento nacional" no qual a unidade com a outra ficaria comprometida, ou seja, haveria a propensão aos conflitos étnicos-raciais?

    Obrigado,

    Paulo Cesar Revello de Oliveira

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    2. Boa tarde Paulo! Olha só, o papel do docente é sempre de facilitador do conhecimento, aponta possíveis caminhos no processo de ensino e aprendizagem. Não vejo essa hipótese que você levantou como motivo para uma suposta revolta da juventude, seja ela tradicional ou não, o indígena vem buscando o seu espaço na vida acadêmica com muita competência e autodeterminação. O "sentimento nacional" a qual você se refere, infelizmente não caminha nesta direção, pelo contrário, está na contramão, pois parte da população ainda vê o índio com os olhos do colonizador, por isso que lutamos para mudar esta distorção. Os conflitos Etno-raciais, ocorrem pois há uma variedade de grupos étnicos no Brasil, não necessariamente por causa da questão educacional em si, mas em determinadas situações, grupos étnicos distintos podem entrar em rota de coalizão, geralmente por divergências culturais. A UNESCO procura através de ações e programas tentar diminuir essas diferenças e conflitos, a partir de programas desenvolvidos em sociedades ameríndias, portanto, isso se apresenta como uma tentativa de minimizar esses conflitos.

      Eduardo Gomes da Silva Filho.

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  10. Saudações Eduardo Gomes!

    Primeiramente quero ti parabenizar pelo trabalho.

    Em segundo, gostaria que você pudesse abordar como vês o processo de ressignificação identitária e reelaboração cultural dos povos indígenas, e suas implicações de acesso a universidade??

    Grato desde já pelo diálogo.

    Cordialmente, Wilverson Rodrigo S. de Melo.

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    1. Olá Wilverson, boa noite, importante os pontos que você levantou. Os povos indígenas têm o direito de fortalecer suas instituições políticas, além da suas práticas jurídicas econômicas, sociais e culturais. Isso evidentemente passa pelo processo de ressignificação. O processo de teorização da cultura, agrega elementos aos mais diversos grupos étnicos. O reconhecimento e a valorização das diferenças étnicas e culturais corrobora com o fortalecimento da identidade étnica dos povos tradicionais. O processo de ressignificação, está atrelado à resistência e às práticas culturais e de autodeterminação. A nova história indígena acaba se debruçando sobre estas questões, descortinando um universo de costumes e tradições, além do que podemos compreender como etnogênese.

      Eduardo Gomes da Silva Filho.

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