PROTAGONISMO INDÍGENA E A NOVA HISTÓRIA: REFLEXÕES PARA A PESQUISA E O ENSINO DE HISTÓRIA INDÍGENA E DO INDIGENISMO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO
Introdução
Diante
das discussões sobre Ensino de História para as relações étnico-raciais,
amparadas pela Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008, a qual torna obrigatória
a inclusão da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena” no
currículo oficial da rede de ensino, consideramos oportuno apresentar elementos
para se pensar o Ensino de História Indígena e do Indigenismo no Brasil. O
objetivo deste texto é desenvolver uma breve reflexão em duas direções. A
primeira delas encaminha elementos que nos permitam evidenciar como o
protagonismo indígena da segunda metade do século XX concorreu para a
conformação da concepção de cidadania
da sociedade brasileira atual, assim como para uma modificação nos modelos
historiográficos que apresentavam os povos indígenas como incapazes de
empreender suas próprias ações. A segunda propõe uma reflexão sobre os limites
das influências historiográficas francesa e inglesa no desenvolvimento de
trabalhos relacionados à “História Indígena e do Indigenismo no Brasil” em
detrimento do próprio protagonismo indígena na conformação de uma nova
proposta de narrativa que privilegia o papel desempenhado por sujeitos e
coletivos indígenas na história brasileira. Os dois encaminhamentos apresentam
propostas particulares, ainda que não esgotem a discussão, para se pensar o
modo como ensinamos “História Indígena e do Indigenismo” nas salas de aula da
Educação Básica ao Ensino Superior.
Emergências
políticas e sociais de povos indígenas no Brasil
A
segunda metade do século XX foi um período de grandes transformações para a
sociedade brasileira. Não foi apenas a manutenção de um Regime Civil-Militar
entre os anos de 1964 e 1985 que concorreu para uma mudança no pensamento
político e social brasileiro. Desdobramentos relacionados ao processo de
retomada das concepções democráticas tiveram sua gênese não apenas na repressão
imposta pelo regime, mas, dentre outros fatores, resultaram de uma mudança de
perspectiva social em relação ao papel a ser desempenhado pelo Estado no que
concerne às políticas sociais e seus significados para a concepção de cidadania existente no Brasil hoje (Fernandes
& Coelho, 2017).
Diante
das pressões cada vez mais contundentes empreendidas pelo Estado, especialmente
nos anos 1970, determinados grupos sociais passaram a empreender particulares
articulações políticas. Movimentos Negros, Movimentos de Trabalhadores,
Movimentos de Mulheres, dentre outros despontaram de modo a reivindicar
mudanças através da criação de políticas sociais que atendessem seus interesses
(Gohn, 2011). Entidades civis se dividiram em relação ao posicionamento de seus
integrantes perante o Estado de exceção. Indivíduos ligados à organizações como
a Ordem dos Advogados do Brasil, por exemplo, se dividiram entre apoiar ou
criticar de modo incisivo as atitudes tomadas pelo governo civil-militar (Rollemberg,
2008). Mesmo no seio das forças armadas, alguns militares foram perseguidos por
conta de suas tendências simpatizantes ao comunismo do contexto da Guerra Fria
(Napolitano, 2014). No âmbito acadêmico, professores universitários, mas não
somente, foram perseguidos por conta de suas filosofias democráticas e
posicionamentos contrários ao regime (Motta, 2014). Interventores militares
foram nomeados para controlar os estados da federação. O discurso do ‘milagre
brasileiro’ se fazia sentir apenas nos bolsos dos grandes empresários ligados
ao capital internacional de base liberal desenvolvimentista (Bielschowsky,
2010).
No
que diz respeito à questão geopolítica, os projetos integracionistas se caracterizavam não apenas pela incorporação
territorial de sertões longínquos como a Amazônia Brasileira. Integração, no contexto do Regime
Civil-Militar Brasileiro também significava empreender um processo de
emancipação compulsório de comunidades indígenas inteiras de modo a tornar seus
membros emancipados, integrados à comunidade nacional e cidadãos de pleno
direito. Nos discursos oficiais, isso parecia ser a chave para a resolução do
‘problema indígena’, no entanto, para os indígenas, emancipar-se significava
abrir mão de suas próprias identidades (Fernandes & Coelho, 2017). Nesses termos, conceder cidadania plena a sujeitos e coletivos
indígenas era, antes de tudo, deixar de reconhecê-los como indígenas e, assim,
retirar do Estado a responsabilidade pela sua ‘defesa’. Mas, conforme apontou
Lux Vidal (1979), o sentido último da integração,
era entregar os territórios indígenas à exploração do capital internacional,
deixando comunidades inteiras à mercê da própria sorte.
Naquele
contexto, certos povos indígenas estabelecidos no território geopolítico
brasileiro passaram a empreender, de modo particular, estratégias de emergência
políticas inéditas até os anos 1970. Frente à um Estado autoritário e em pleno
processo de implementação de uma política assimilacionista que intentava contra
os direitos humanos de comunidades indígenas, a luta pela autodeterminação e reconhecimento da diferença e da diversidade
de povos se constituiu como a base manifesta do conjunto de estratégias políticas
empreendidas pelos indígenas. Assembleias e eventos reunindo comunidades de diferentes
grupos étnicos, ocorridas até então apenas em âmbito local, passaram a ampliar
suas articulações, empreendendo assembleias em âmbito regional, nacional e
mesmo internacional (Bicalho, 2010). No calor das batalhas pela autodeterminação, muitas comunidades
indígenas passaram a reivindicar perante o Estado o direito à cidadania plena,
reconhecimento territorial, saúde e educação específicas e diferenciadas. Os
meandros dessas articulações, iniciadas nos anos 1970, especialmente, se fazem
sentir até os dias de hoje.
A Nova História
Cultural e os povos indígenas
Pesquisar
sobre os fenômenos que envolvem as emergências políticas e sociais de povos
indígenas no Brasil Contemporâneo se torna importante para a problematização dos
modelos a partir dos quais, muitas vezes, fundamentamos nossas concepções sobre
Ensino de História Indígena e do
Indigenismo no cotidiano de nossas salas de aula desde os níveis da
Educação Básica ao Ensino Superior. A razão que nos move nesse encaminhamento
tem sua origem nos discursos privilegiados que as influências teóricas da Nova História Francesa tem ocupado nos
estudos que envolvem os processos históricos das relações estabelecidas entre
povos indígenas e não indígenas desde o início da colonização no Brasil.
Apontando
outra variável, o problema não é, necessariamente, a concepção de Nova História proposta, na França, pelo
movimento historiográfico dos Annales
nos anos 1920 - mesmo porque um de
seus fundamentos, conforme aponta Burke (2011), é a preocupação com todas as atividades
humanas. De modo concomitante, a forma como se tem, também, privilegiado o
papel desempenhado pela historiografia inglesa nas narrativas historiográficas
do Brasil, especialmente representada pelas concepções de uma história “vista
de baixo” (Sharpe, 2011) não são, necessariamente, o problema a ser enfrentado
– já que apresentam um modelo teórico que privilegia as ações empreendidas pelo
“homem comum” com base numa perspectiva apresentada por Edward Palmer Thompson nos
anos 1960 e, a partir qual, parecia possível evidenciar o papel desempenhado
por sujeitos considerados sem importância nos grandes eventos da história. O
problema também não é a análise desenvolvida a partir dos anos 1970 propondo
reflexões sobre as relações cotidianas empreendidas pelo “subalterno” ou pelo
sujeito “ordinário”, conforme apontou de modo brilhante Michel de Certeau ao
considerar as táticas de sobrevivência dos
grupos subalternos em condição de dominação frente a um poder opressor, como
elementos centrais na evidenciação das “invenções do cotidiano” (Certeau, 2014).
A
crítica também não recai sobre os modelos de análise que se tornaram conhecidos
no âmbito das discussões historiográficas brasileiras, desenvolvidos no Brasil
a partir dos anos 1990, os quais privilegiavam uma concepção de protagonismo
indígena com foco nos primeiros séculos da colonização portuguesa na América,
apresentando elementos importantes para analisarmos as relações, na maioria das
vezes conflituosas, desenvolvidas entre povos e sujeitos indígenas e não
indígenas nos períodos colonial e imperial brasileiro, fenômeno do qual a
coletânea “História dos Índios no Brasil”, organizada por Manuela Carneiro da
Cunha (1992) se constituiu em clássico conhecido sobre a temática.
Então,
considerando a problemática indicada, o que há de necessária mudança que ainda
não foi evidenciado? Sigamos o roteiro!
Uma
mudança no modo como projetamos nossas reflexões teóricas acerca da Nova História Indígena e do Indigenismo, com
base apenas na perspectiva francesa de Nova
História ou na perspectiva inglesa de uma história “vista de baixo”, não é suficiente para se pensar as relações
estabelecidas entre povos indígenas e não indígenas no decorrer da história do
Brasil. É preciso uma reflexão a partir do processo histórico que possibilite a
evidenciação da natureza dessas relações e privilegie não apenas o protagonismo indígena nos processos
históricos, mas também, na reformulação do modelo narrativo que envolve as discussões
sobre o lugar social dos povos indígenas assim como uma análise que privilegie
o papel desempenhado pelos povos indígena na transformação do pensamento
político da sociedade brasileira. Nesses termos, a evidenciação do protagonismo indígena na história deve
ser pensada levando em consideração as agências
sociais empreendidas pelos povos indígenas a partir dos anos 1970, as quais
ainda estão em curso em pleno despontar do século XXI.
Dito
de outro modo, os desdobramentos do protagonismo indígena da conjuntura política
do contexto do Regime Civil-Militar no Brasil influenciaram o modo como
historiadores, sociólogos e antropólogos passaram a pensar o lugar social dos
povos indígenas na História do Brasil, acarretando numa problematização da
concepção de Ensino de História do Brasil na Educação Básica e no Ensino
Superior na atualidade.
Assim,
é preciso ter em mente que o modo como a Nova
História Indígena é hoje ensinada no Brasil não resulta apenas das
influências francesas ou inglesas, relacionadas ao movimento historiográfico
denominado de Nova História Cultural.
No caso do Brasil, os movimentos indígenas evidenciados nos anos 1970,
dimensionaram de modo inegável a crítica historiográfica desenvolvida por
historiadores e antropólogos em direção ao modelo tradicional de se pensar o
papel desempenhado pelos povos indígenas na conformação do Estado Plurinacional
Brasileiro.
O que ensinar sobre
História Indígena no Brasil Contemporâneo?
Uma
narrativa, baseada em pesquisas relacionadas às discussões bibliográficas que
tratam do protagonismo indígena no Brasil Contemporâneo pode seguir uma
trajetória que evidencie o protagonismo indígena a partir das articulações
políticas que possibilitaram emergências sociais no texto constitucional de
1988 e concorreram para uma modificação no modo como se escreveu a História do
Brasil até recentemente.
Deve-se
ter em mente, no entanto, que o fato de os estudos sobre a História Indígena no
Brasil Contemporâneo serem de tempos recentes concorre, muitas vezes, para que
as discussões sobre o tema sejam limitadas ao âmbito das universidades.
Considerando o tempo que se leva para os conhecimentos acadêmicos alcançarem as
salas de aula da Educação Básica, ainda deve demorar um pouco para que essas
pesquisas se tornem parte dos conteúdos presentes nos livros didáticos. Como
alternativa, se faz necessário que os professores atualizem seus conhecimentos
sobre essas novas abordagens desenvolvendo pesquisas individualmente. Uma narrativa que privilegia o protagonismo
indígena no Brasil Contemporâneo deve seguir alternativamente, o seguinte
roteiro:
Na segunda metade do século XX, o Brasil foi palco de uma série de ações coletivas de determinados grupos da sociedade civil que passaram a reivindicar políticas sociais como parte dos direitos de cidadania. Em meio ao contexto de repressão, determinados grupos étnicos indígenas passaram a se articular em âmbito local, regional, nacional e mesmo internacional no intuito de reivindicar a cidadania plena nos meandros do importante processo históricos de cidadanização (institucionalização) do pensamento social indígena brasileiro.
Para os povos indígenas, a luta pela cidadania plena foi um passo importante no reconhecimento da diferença e da diversidade de povos existentes no Brasil. Além disso, os movimentos indígenas que emergiram no cenário político brasileiro demandaram o reconhecimento do direito às territorialidades histórico-culturais, saúde, educação específica e diferenciada e a autodeterminação. Tais fenômenos foram desencadeados a partir de uma articulação política que mantém muitas de suas bases até os dias de hoje. Na segunda metade do século XX, o ápice das conquistas dos movimentos indígenas iniciados nos anos 1970 foi o reconhecimento da diferença de povos no texto constitucional de 1988, conformando as bases do Estado Plurinacional Brasileiro (Fernandes, 2017).
Para além das emergências políticas e sociais de povos indígenas no Brasil, é importante que se reconheça que as lutas empreendidas por várias comunidades em direção ao reconhecimento da cidadania plena, como condição para a reivindicação de políticas sociais voltadas ao atendimento das necessidades mais elementares de suas especificidades, concorreram para a institucionalização de uma concepção de cidadania até então inédita no pensamento social e democrático brasileiro, qual seja, a compreensão de que as políticas sociais são um direito do cidadão e não uma concessão do Estado. Essa nova atitude em relação aos direitos sociais foi de encontro aos discursos que defendiam a tese de que as políticas sociais eram uma concessão do Estado para os cidadãos e não um direito a reivindicar (Santos, 1979). Apesar de todas essas contribuições, o papel desempenhado pelos movimentos sociais indígenas no Brasil contemporâneo ainda não recebeu os devidos reconhecimentos.
Considerações
Pontuais
O
protagonismo indígena desencadeado no contexto do Regime Civil-Militar, apesar
de ser parte do protagonismo indígena iniciado já nos primeiros
contatos com povos europeus, constituiu um movimento particular que acarretou,
inclusive, numa transformação do pensamento político e social brasileiro,
especialmente no que concerne à concepção de democracia que emerge a partir dos
anos 1980. Os povos indígenas, a partir de suas agências, foram protagonistas
de uma série de manifestações de caráter social que concorreram para uma
problematização do lugar que ocupavam na sociedade brasileira. Suas ações foram
igualmente importantes para uma modificação no modo de se pensar o lugar dos
povos indígenas na sociedade brasileira a partir das pesquisas acadêmicas. Suas
ações também concorreram para uma modificação na concepção de História Indígena e do Indigenismo no
Brasil. Desse modo, foram, para além dos paradigmas criados pelas
historiografias francesa e inglesa, os elementos fundamentais da nova concepção
de história que propõe uma evidenciação do protagonismo
indígena na História do Brasil e, respectivamente, do modo com ensinamos História Indígena nas salas de aula da
Educação Básica ao Ensino Superior. Para uma modificação evidente do modo como
ensinamos história indígena hoje, precisamos avançar nas pesquisa não apenas
relacionadas ao passado colonial ou imperial, mas, sobretudo, na história
contemporânea brasileira. Desse modo, será possível desenvolver uma análise
sobre as agências indígenas na história brasileira a partir dos próprios termos
indígenas não se limitando às representações longínquas de um passado
(neo)colonial.
Um
processo de descolonização do pensamento, nos termos propostos por Maldonado-Torres
(2016), segundo o qual a transdisciplinaridade
decolonial é a chave para o reconhecimento e respeito à diversidade, só pode ser viabilizado em nossas
salas de aula a partir da decolonialidade
de nosso modo de conceber as relações entre atores sociais indígenas e não
indígenas nos discursos que dão forma a disciplina de História do Brasil.
Referências
Fernando Roque
Fernandes
é doutorando em História Social da Amazônia pela Universidade Federal do Pará
(UFPA), Pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Formação de
Professores e Relações Étnico-Raciais (GERA) e bolsista Demanda Social da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Atualmente
desenvolve pesquisas relacionadas aos Movimentos Indígenas no Brasil e Povos
Indígenas e Ensino Superior na Amazônia Brasileira.
Beatriz da Silva
Mello
é graduanda do Curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade Federal do
Amazonas (UFAM). Atualmente desenvolve pesquisas relacionadas à Formação de
Professores Indígenas e Educação Escolar Indígena na Amazônia Brasileira.
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dez. 2017.
Prezado professor Fernando, bom dia! Seu texto traz reflexões muito pertinentes acerca da questão indígena, levantando pontos essenciais como protagonismo, nova história indígena e ensino da história indígena. Há algum tempo, interesso-me também por essas questões, que são de suma importância não só para o interesse dos povos tradicionais, mas para toda a sociedade em geral. Digo isto, pelas próprias especificidades do nosso imbricamento étnico. Portanto, gostaria de saber como você enxerga o futuro dessa nova história indígena a partir de três frentes: direito, ensino e cultura?
ResponderExcluirEduardo Gomes da Silva Filho
Caro Professor Eduardo Gomes, saudações!
ExcluirAgradeço pela leitura atenciosa deste texto!
A pergunta que apresentas, como a própria natureza dela evidência, informa possíveis respostas que devem ser compreendidas de modo relacional. Nesse sentido, minhas considerações devem ser entendidas como elementos resultantes de reflexões de meu ofício de historiador, pois falo a partir de um entendimento historiográfico das relações sociais.
Em primeiro lugar, conforme apontado no texto, a concepção de Nova História Indígena deve ser entendida como resultado de um longo processo histórico do contato entre grupos indígenas e não indígenas nas relações históricas ocorridas desde o período colonial. Nesse sentido, tanto esta como seus reflexos no âmbito do Direito, do Ensino e da própria concepção de cultura que temos hoje, especialmente no que concerne aos povos indígenas, deve ser entendida como resultado das agências indígenas (digo agências no sentido das ações empreendidas pelos povos indígenas), especialmente àquelas desencadeadas a partir da segunda metade do século XX, pois estas apontam para novas estratégias desenvolvidas por determinados povos indígenas que concorreram para emergências políticas e sociais ainda no contexto do Regime Civil-Militar no Brasil.
Isto significa dizer que qualquer dimensão jurídica, educacional e mesmo cultural que conforma as relações entre Estado e Povos Indígenas no Brasil Contemporâneo, devem ser pensadas de modo a identificas as políticas indígenas que se inserem nessas dimensões da realidade social brasileira.
Dese modo, no âmbito jurídico, as legislações indígenas não devem mais ser entendidas como apenas criadas para indígenas, mas reconhecer a própria natureza da influência indígena nos debates, demandas e institucionalizações que concorrem para a conquista e manutenção de direitos relacionados aos povos indígenas. Dito de outra forma, no âmbito jurídico, as políticas indigenistas devem ser entendidas, também, como resultado do protagonismo indígena.
No que concerne à dimensão educacional, as diretrizes e o modo como se tem pesado a Educação Escolar Indígena de modo específico e diferenciado e mesmo o crescente ingresso de acadêmicos indígenas no âmbito do Ensino Superior devem ser entendidos como parte dos fenômenos de etnogêneses desenvolvidos por diferentes povos indígenas a partir de uma dimensão particular que se tornou mais evidente a partir dos anos 1990.
No que diz respeito à questão da cultura, debates sobre interculturalidade e transculturalidade conformam a base de uma discussão que concorre para processos de descolonização do pensamento brasileiro não indígena a medida que passam a ser debatidos e problematizados de modo mais evidente no âmbito do cotidiano da Educação Básica e do Ensino Superior. O mais importante, me parece, nesta dimensão é que tais debates estão sendo trazidos pelos próprios indígenas e por pesquisadores pró-indígenas para os espaços acadêmicos. Hoje, por exemplo, já se reconhece e legitimidade daquilo que Gramsci denominou de "intelectual orgânico", o qual temos denominado de modo muito semelhantes o crescente número de intelectuais indígenas.
Todas essas dimensões devem ser pensadas como parte de um processo ainda em curso na sociedade brasileira e como pilares da transformação social através de um processo que considero importante denominar de "institucionalização do pensamento social indígena brasileiro". Nesse sentido, espero ter sido claro na fundamentação da ideia de que, no que concerne aos povos indígenas no Brasil, Direito, Ensino e Cultura devem ser entendidos como elementos indissociáveis e portante, elementos importantes no reconhecimento da diferença e da diversidade de povos indígenas no Brasil, característica que fundamenta e dá forma à especificidades da Democracia Brasileira.
Forte abraço, caro Eduardo!
Fernando Roque Fernandes
Universidade Federal do Pará
Boa tarde! Gostei muito do texto de vocês!
ResponderExcluirMesmo com o amparo da Lei nº 11.645, muito pouco estudei durante a graduação sobre a história indígena brasileira. Ainda muito menos coisas eu vi nos livros didáticos nos estágios realizados. Não posso dizer se isso restringe-se a minha universidade ou minha região, mas minha pergunta é a seguinte: Como ensinar uma Nova História Indígena e do Indigenismo com essa lacuna no ensino na disciplina de História?
Obrigada pela atenção,
Amanda Assis de Oliveira
Cara Amanda, agradeço pela pergunta!
ExcluirConforme sua própria experiência atesta, a Temática Indígena no currículo escolar parece ser uma lacuna que está presente não apenas nos Projetos Político-Pedagógicos da Educação Básica, pois também se faz presente no âmbito da formação superior. Essa é uma questão que passou a ser discutida apenas nos últimos anos e que faz parte da realidade educacional de todo o país.
Por exemplo, à criação da lei Nº 11.645/2008 foi criada no intuitui de tornar obrigatória a inclusão desta temática nos currículos da Educação Básica. No entanto, esta lei peca no sentido de não levar em consideração à deficiência na formação dos professores no que concerne à Temática História da África, História dos Afro-descendentes e História Indígena.
Daí a pergunta: Como os professores que não não tiveram uma formação adequada para tratas de Relações Étnico-Raciais em sala de aula poderiam por em prática os ditames desta lei?
Por esta razão, passou-se a pensar em processos educacionais que possibilitassem a formação de novos professores que possam tratar dessas discussões. Para os professores já formados, cursos de aperfeiçoamento e de especialização foram criados para dar conta dessas "carências de formação", especialmente nas licenciaturas. A Resolução CNE/CP 02/2015 apresenta as Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Licenciatura de modo que passem a incluir tais temáticas nos currículos das licenciaturas.
Se tais alternativas fossem materializadas como deveriam, possível mente teríamos outra realidade. No entanto, o que parece está acontecendo é o mesmo que ocorre com a implementação da própria legislação.
Um levantamento recente nos levou à conclusão de que menos da metade, muito menos mesmo, dos cursos de licenciatura de Instituições de Ensino Superior têm incluído a temática em suas Grades Curriculares e ainda estas que foram incluídas não parecem dar conta de uma formação adequada voltada para as relações étnico-raciais na Educação Básica.
O Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Formação de Professores e Relações Étnico-Raciais da Universidade Federal do Pará, do qual sou pesquisador integrante tem desenvolvido, anualmente, cursos de Aperfeiçoamento e de Especialização como forma de empreender processes de Formação Continuada para Professores da Educação Básica. No entanto, mesmo essas iniciativas não são suficientes para dar conta da grande demanda pelo aperfeiçoamento na Temática.
Nesse sentido, é importante que tenhamos em mente que tais questões ainda estão em um processo inicial de implementação. A institucionalização dessas demandas pelo reconhecimento da diferença e da diversidade já aparecem manifestas através de resoluções, diretrizes e outras legislações educacionais. No entanto, ter uma legislação não é suficiente para torná-la em prática cotidiana. Se faz necessário que nós, como professores, busquemos aperfeiçoamento nessas discussões e caminhemos juntos, propondo mudanças no pensamento social de modo a possibilitar novas reflexões sobre diversidade e diferença no Brasil.
Para tanto, os movimentos educacionais não podem parar...
Professores e estudantes da Educação Básica ao Ensino Superior são a ponta de lança desta batalha...
Forte abraço!
Fernando Roque Fernandes
Universidade Federal do Pará
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ResponderExcluirParabéns aos autores do trabalho, pois a necessidade de uma abordagem aproximada da realidade indígena se faz indispensável no contexto político em que vivemos. A minha pergunta está baseada na abordagem dos livros didáticos em relação as comunidades indígenas, pois como poderemos trabalhar essa decolonialidade,já que os livros didáticos em sua grande massa, homogeneíza essas comunidades e ainda trazem abordagens estereotipadas sobre os índios?
ResponderExcluirum forte abraço!!!
VINICIUS MACHADO FERREIRA
Olá Fernando e Beatriz,
ResponderExcluirinicialmente gostaria de parabenizá-los pela discussão, o texto está muito bom! A pergunta que tenho para fazer tem um cunho mais específico - quando você cita a historiografia francesa, rapidamente me remeto a um caso especial de colonização, que foi o da Paraíba, entre os franceses e os índios potiguaras (que no caso não saiu muito da zona de tentativas). Assim, em termos de fontes ou discussões teóricas, vocês sabem informar se existe atualmente tais fontes ou bibliografias que correspondam a isso? Ou a outros casos no Brasil, tendo como referencial os franceses e os povos indígenas?
Desde já, obrigada pela possibilidade de discussão!
Maria Larisse Elias da Silva
Universidade Federal de Campina Grande